Responsabilidade, Incapacidade e Graça

Já escrevi anteriormente da minha reputação de sempre pregar sobre a graça. Na verdade brinquei com a ideia de publicar um livro chamado Confissões de um Gracista Extremado. Não é um título apropriado talvez, mas é uma identificação que, de qualquer maneira, eu uso orgulhosamente.

Às vezes algumas pessoas da minha igreja sugerem que exagero com a mensagem da graça: “Você não acha que precisamos de mais equilíbrio?”. Essa é uma pergunta estranha quando a gente pensa nela. Como a graça pode ser excessiva? O próprio Deus não se “excedeu” com a graça? Não é essa a própria natureza da graça – algo tão excessivo a ponto de ser escandalosa? A graça é algo que não pode ser balanceada. Com o quê se poderia equilibrá-la? Com ausência de graça?

O que eu sinto é que nós na igreja ainda nem começamos a arranhar a superfície da graça. Tomamos alguns goles da taça da graça de tempos em tempos em nosso caminhar com Deus, e então gradualmente começamos a nos apoiar em nossas capacidades o resto do caminho.

Mas entendo o porquê de estas questões surgirem. Todos queremos saber quais são as nossas responsabilidades para com Deus. O viver para o evangelho tem certas exigências. Se olharmos para os mandamentos de Jesus – um dos quais nos chama à perfeição – e então olharmos nossas vidas pecaminosas, estaremos vendo duas realidades muito diferentes. Isso levanta a questão: “Por que isso não faz sentido?”.

O problema chega quando tentamos remediar a questão destas duas diferentes realidades. A maioria de nós faz isso aplicando a lei – trabalhando mais pesado, e tentando resolver isso nós mesmos. Claro, é bom para nós ganharmos o convencimento de que possuímos um coração morno. É bom que estejamos insatisfeitos com o jeito pelo qual tratamos nosso cônjuge ou nossa família. O Espírito Santo é fiel em brilhar Seu farol sobre as nossas áreas problemáticas – significando áreas de pecado – e indicar onde Ele quer nos transformar. Mas não podemos nos transformar através de um compromisso ou da força de vontade. A mudança que precisa ter lugar em nós vem de algo mais profundo do que aquilo que a lei – ou o desempenho – pode proporcionar.

Nós não podemos escolher as nossas áreas de obediência

Todos temos a obrigação de fazer o que o Senhor nos chama a fazer. Quando Jesus diz que devemos nascer de novo, ter fé, orar e buscar a Sua face, amar o próximo, amar a esposa como Cristo ama a igreja, todos os Seus mandamentos são sim e amém. Porém algumas igrejas preferem certas áreas de obediência sobre as outras. Elas enfatizam o evangelismo, ou a justiça social, ou ativismo político, ou servir aos pobres, ou a oração. Elas podem não admitir, mas veem a ênfase das outras igrejas como menores aos olhos de Deus.

Nenhuma igreja está agradando a Deus quando corre com um cilindro em vez de com oito. Ele simplesmente não permitirá que ignoremos alguns dos Seus mandamentos. Leia Apocalipse 3 para ver o Seu desagrado quando fazemos isso. Qualquer pessoa ou igreja que não esteja obedecendo aos mandamentos de Deus está vivendo em desobediência – sem “se” ou “mas”.

Contudo obediência perfeita não é possível. Não está dentro da esfera da nossa capacidade. É por isso que tendemos a enfatizar certas áreas de obediência em nossas vidas – porque elas são mais fáceis de cumprir do que outras. Podemos mesmo ser recompensados por cumpri-las. Mas isso foge inteiramente do ponto.

Ter uma vida de alegria e de vitória não é o ponto vital no tocante a termos sucesso ou a falhar em obedecer aos mandamentos de Deus. Tem tudo a ver com a forma pela qual cuidamos em obedecer os mandamentos de Deus. Aprendi isso ainda criança na igreja. Aprendi que eu poderia manisfestar mudanças espirituais segundo minha própria vontade. Os líderes da mocidade diziam: “Você mesmo pode mudar para que as tentações nao voltem. Você pode sair por cima de qualquer coisa”. Não demora muito para vermos o quanto isso é fútil. Como diz um amigo meu, “Quando eu tinha vinte e cinco anos eu queria mudar o mundo. Agora que tenho quarenta e cinco, não consigo mudar nem a mim mesmo”.

O ponto não é fazer mudanças nós mesmos. O ponto é permitir que a graça de Deus nos capacite à transformação – em nós mesmos e no mundo.

Veja os mandamentos que Jesus nos dá

Vejamos primeiro o mandamento de Jesus para nascer de novo. “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28). A maioria de nós retrata Jesus tocando um violino enquanto multidões de sofredores se aglomeram ao Seu redor. Mas Jesus não está simplesmente oferecendo um convite. Ele está nos dizendo – nos ordenando – irmos a Ele porque Ele apenas proporciona o descanso que nossas almas precisam.

Mas será que é possível para nós “ir a Ele”? Segundo Jesus, é impossível: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” (João 6:44). Por que Cristo iria ordenar que fizéssemos algo que não podemos fazer?

Estamos recebendo uma lição importante aqui – uma lição fundamental à vida cristã. Ou seja, quando recebemos uma ordem, não é suficiente cobrar a si próprio e dizer, “É comigo, Senhor! Aceito!”. Se fizermos assim, já teremos problemas antes mesmo de começar. O fato é que, quando recebemos uma ordem nos evangelhos, ela expõe a nossa incapacidade. Deus faz isso de propósito. Mesmo na hora em que nos Ele revela a Sua vontade e ordens, Ele também mostra a nossa inabilidade para alcançá-las por nós mesmos.

É por isso que Jesus segue toda ordem impossível com uma promessa. Primeiro Ele diz, “Ninguém pode vir a mim se o Pai…não o trouxer”. E aí imediatamente diz, “E eu o ressuscitarei no último dia” (João 6:44). Deus não só nos levará a Si mesmo, como também nos levantará para uma vida nova e ressurreta. O poder Dele nos capacita a andar em uma nova aliança com Ele.

Não temos a habilidade ou a competência para conseguirmos uma vida nova nós mesmos. Ela vem somente através Dele. Igualmente, o mesmo poder que nos salva pela graça também nos guarda pela graça. “Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque feitas em Deus” (João 3:21). O sentido é “moldadas em Deus”. Deus está confeccionando a Sua obra em nós. É por isso que Ele segue todo mandamento com uma promessa. Assim que Ele revela a nossa incapacidade, Ele revela a Sua capacidade e querer para conseguir tudo isso em nós.

Agora veja os mandamentos de Deus em relação à oração

Primeiro lemos “Buscai o Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto” (Isaías 55:6). Então a Bíblia diz “Não há quem entenda, não há quem busque a Deus” (Romanos 3:11). Nas escrituras nos é dado que não veremos o Senhor como deveríamos.

Vez após vez nos é mostrado o padrão de perfeição de Deus – e a nossa incapacidade para alcançá-lo. Por quê? É assim para que possamos evitar o destino dos fariseus. Eles levantavam cedo pela manhã e faziam longas orações. Construíam regras para manter uma aparência santa de comportamento. Mas Jesus destaca que enquanto eles pareciam limpos por fora, os seus corações eram negros e podres.

Deus busca uma operação mais profunda em nós – mais profunda do que conseguiríamos alguma vez na vida por nós mesmos. Paulo resume tudo em uma breve passagem: “Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós…? Recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois assim tão insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?” (Gálatas 3:1-3).

Quando as nossas obras de obediência não são moldadas pela graça de Deus, nós sentimos isso. Por fora podemos nos sentir orgulhosos pelo que parecemos ter alcançado. Mas quando fracassamos, nos sentimos desencorajados a ponto de desistir, pensando, “A carga é pesada demais. Não aguento mais”.

Exatamente! Este é o ponto: a carga é pesada demais. É por isso que Jesus nos diz “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mateus 11:28-30).

Jesus está falando aqui das obras que são manufaturadas com esmero em Deus, não segundo nossa própria habilidade

Sem a graça Dele para nos alimentar, podemos orar horas e horas por dia, podemos ler a Bíblia a noite toda, podemos evangelizar todo fim de semana e, sim, até ganhar almas. Mas um crente de coração desprovido de graça não moverá o mundo ou a si próprio nem um centímetro para mais perto de Deus.

Por favor, não me entenda mal. Há um lugar para disciplina em nosso caminhar com Cristo. Mas o recurso não é colocar mais carga da carne sobre nós mesmos. Pense no seguinte: você sente-se culpado porque não consegue orar trinta minutos por dia, e então se compromete a orar por uma hora. Como você acha que isso vá funcionar?

Sabemos que os mandamentos de Deus são bons – que são puros, verdadeiros e inflexíveis, nos chamando a viver uma vida piedosa. Contudo quando as nossas vidas não se alinham com Seus mandamentos, mais esforço não é o remédio. Ranger os dentes não cumpre nenhuma responsabilidade para com Deus.

Enfrentemos a realidade: a maioria de nós, incluindo eu, tendemos a começar na graça e lentamente nos colocamos de novo em nossa própria capacidade. Vivemos como se andar com Deus é como possuir uma casa: pedimos aos nossos pais uma ajuda para a entrada, mas aí trabalhamos para saldarmos a hipoteca nós mesmos. Não! O sangue derramado por Jesus não é o pagamento para a entrada de nada – ele é tudo!

A nossa vida em Cristo começa na graça, ela continua na graça, e terminará na graça

Uma vez tendo abraçado este ponto, as nossas vidas serão marcadas pela liberdade, e não pela escravidão; pela alegria, não pela fadiga; pelo deleite, não pelo temor. Então não será mais parecer um dever passar tempo na presença de Deus, mas sim uma dádiva de gozo. Afinal, Jesus diz que não somos mais Seus servos, mas amigos.

Nada disso nega a nossa responsabilidade. Inevitavelmente, alguns leitores dirão, “Do jeito que você está pregando, ninguém mais vai orar. Ninguém vai se disciplinar para o serviço. Você mesmo citou o versículo, ‘Não há quem busque a Deus, nem um sequer’. Isso não está em nós. Se seguirmos o que você está sugerindo, ninguém jamais conhecerá a Deus do jeito que Ele quer”.

Claro que há uma hora para se programar o despertar do relógio para se levantar e orar. Mas não ouse fazê-lo sem o óleo da graça de Deus. E não ouse ler a Bíblia sem a graça, ou você sairá condenado e com medo, em vez de iluminado e alimentado. Por quê? É obra da graça de Deus mostrar a nossa incapacidade. Esta é única maneira pela qual conseguiremos ter conhecimento da capacidade Dele.

Não, não abandone o seu grupo de edificação. Não abra mão de seu dedicado tempo de oração. Não abandone o seu grupo de estudo bíblico. Não abra mão de nenhuma destas maravilhosas disciplinas – a menos que elas estejam se pondo no lugar da plena operação da graça de Deus em sua vida.

Chuvas de graça caem sobre nós vindas do trono do Senhor; ela não sobe de nós até Ele no alto. É isso que atrairá o mundo para as nossas vidas e testemunhos. Quando as pessoas virem graça real chovendo sobre nós, elas verão as maravilhas que ela opera em nós. E verão que os nossos corações foram ganhos não por nossa obra, mas pela ação de Deus. Que assim seja em sua vida hoje.